Bioacumulação de Mercúrio em Aves Aquáticas

Elementos-chave no funcionamento dos ecossistemas e situados no topo das cadeias tróficas, as aves aquáticas constituem um dos principais grupos de organismos usados como bioindicadores ambientais em ecotoxicologia, nomeadamente na monitorização ambiental de metais pesados tais como o mercúrio. Com uma dieta alimentar frequentemente rica em peixe e crustáceos, as aves aquáticas encontram-se entre as espécies mais expostas a fenómenos de acumulação de mercúrio, tornando-as neste aspecto os componentes mais vulneráveis do ecossistema.


Foi na sequência desta temática que se iniciou recentemente no CERVAS um importante estudo sobre a bioacumulação de mercúrio em aves aquáticas. Realizado no âmbito de um estágio profissionalizante da Licenciatura em Biologia pela Universidade de Aveiro, este estudo visa analisar as quantidades de mercúrio presentes nas diversas espécies de aves que desde 2007 têm passado pelo CERVAS.


Fig.1 – Algumas das espécies avaliadas no estudo de acumulação de mercúrio. A- Cegonha branca (Ciconia ciconia); B- Garça-vermelha (Ardea purpurea); C- Garça-branca (Egretta garzetta); D- Garça real (Ardea cinerea); E- Corvo-marinho (Phalacrocorax carbo). Imagens retiradas do site Aves de Portugal.


O que é a Ecotoxicologia?
Compreendida modernamente como sendo a ciência que relaciona os efeitos nocivos dos agentes químicos nos seres vivos, o termo Ecotoxicologia foi pela primeira vez introduzido na década de sessenta pelo francês René Truhaut que a definiu como sendo "o ramo da toxicologia preocupado com o estudo de efeitos tóxicos causados por poluentes naturais ou sintéticos, sobre quaisquer constituintes dos ecossistemas: animais (incluindo seres humanos), vegetais ou microrganismos, em um contexto integral".

Com o objectivo de compreender e antecipar a via de distribuição dos poluentes no ambiente (bem como quais os efeitos ecológicos por eles provocados), a ecotoxicologia fornece um conjunto de ferramentas indispensáveis na monitorização ambiental dos ecossistemas assumindo, por isso, cada vez mais um papel fundamental na conservação dos ecossistemas naturais.


Mercúrio – uma perspectiva ambiental
Líquido e inodoro à temperatura ambiente, o mercúrio é um metal de cor prateada facilmente acumulável nos ecossistemas, quer por deposição natural quer por acção humana, e com uma toxicidade elevada. Responsável por disfunções no normal funcionamento do sistema nervoso em humanos, insucesso reprodutivo ou mesmo perda da capacidade de voo em aves, o mercúrio existe no ambiente sob diversas formas sendo a mais abundante (e igualmente mais tóxica) o metilmercúrio.

Facilmente absorvível pelos organismos, o metilmercúrio acumula-se nos organismos ao longo da vida quer por ingestão directa (da água, por exemplo) ou através o consumo de outros organismos já contaminados com mercúrio. Esta acumulação torna-se, por isso, um problema na medida em que ao longo do tempo os organismos vão acumulando quantidades cada vez mais elevadas de mercúrio nos seus tecidos, potenciando o desenvolvimento de efeitos tóxicos.


Fig.2-Analisador de Mercúrio (AMA 254 da LECO)


A monitorização ambiental de mercúrio em aves traduz-se, portanto, numa ferramenta de grande utilidade na análise e avaliação do risco ambiental por contaminação de mercúrio. Efectuada em aparelhos próprios (figura 2), esta monitorização de mercúrio nas aves é realizada em quatros estruturas/tecidos diferentes: penas, fígado, sangue ou mesmo embriões consoante o tipo de acumulação que se deseja estudar.

Embriões: Usados para monitorizar a passagem de mercúrio da progenitora para a cria durante o desenvolvimento do feto.

Sangue: Analisado para avaliar acumulações de mercúrio mais recentes, permite monitorizar teores de mercúrio acumulados pela ingestão de comida ou água contaminadas.

Penas: As penas são substituída periodicamente e, durante o crescimento das novas penas, estão acumulam mercúrio. Neste sentido, o seu uso na monitorização deste metal apenas reflecte uma indicação dos teores de mercúrio presentes na ave na altura do desenvolvimento da pena. Por este facto, o uso de penas apenas fornece dados de acumulação até cerca de um ano de idade. É, contudo, uma técnica que causa pouco impacto negativo na ave (stress, etc.) e a sua obtenção para análise é relativamente simples.

Fígado: Apenas analisado após necrópsias de aves mortas, fornece informação mais concreta acerca dos teores de mercúrio acumulados pela ave ao longo da vida. Sendo impossível analisar em material fresco, este necessita de ser previamente liofilizado. Este processo consiste na remoção total de toda a água presente nos tecidos sem que, contudo, a estrutura e composição orgânica o tecido se altere.


Fig.3-Fígado de galinha liofilizado (Nota: Os fígados de frango foram usados para estimar o teor de água presente no fígado fresco das aves. Este procedimento justifica-se pelo facto das amostras armazenadas no CERVAS se encontrarem previamente congeladas e, por isso, o seu conteúdo em água se apresentar já modificado relativamente ao teor normal esperado no tecido fresco).


Com mais de 50 amostras de fígado e sangue já analisadas, resultados interessantes têm sido obtidos tendo-se observado acumulações significativas de mercúrio em várias espécies, especialmente na garça-real e no corvo-marinho. Este estudo prepara-se agora para ser alargado a mais espécies em cooperação com o RIAS, que cederá, entre outras, amostras de quatro espécies de gaivotas para futura análise.


Cátia Santos, estudante finalista da Licenciatura em Biologia

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Espécie do mês de Maio: Cobra-rateira

Espécie do mês de Abril: Tentilhão-comum

Espécie do mês de Junho: Ouriço-cacheiro

Espécie do mês de Setembro: Cobra-de-água-de-colar

Espécie do mês de Março: Morcego-anão

Espécie do mês de Junho: Víbora-cornuda

Espécie do mês de Março: Corvo

Espécie do mês de Setembro: Cágado-mediterrânico

Espécie do mês de Dezembro: Fuinha

Devolução à Natureza de 1 morcego-negro em Gouveia