Treinos de voo em Creance para aves de rapina em recuperação

A recuperação de aves de rapina selvagens é um processo complexo e de elevada exigência. As espécies de aves pertencentes a este grupo são as “atletas de alta competição” da Natureza, sendo necessário que apresentem uma condição física – fitness - óptima de modo a poderem sobreviver no seu habitat natural.

A reabilitação física através de treinos específicos tem então o objectivo de completar os cuidados clínicos proporcionados às aves e é essencial para que o fitness da ave alcance ou retorne aos níveis necessários à sua sobrevivência (Arent, 2001). É condição essencial à libertação de uma ave de rapina sujeita a um processo de recuperação que esta apresente a melhor condição física possível, que lhe permita capturar as suas presas (Arent, 2001). Se tal não acontecer, esta ave nunca sobreviverá na natureza, tornando todo o processo de recuperação inútil para a reabilitação da ave em si e para a conservação da espécie e ecossistemas a ela associados no geral.

Os movimentos diários e constantes realizados pelas aves numa câmara de muda ou túnel de voo permitem-lhes manter um estado saudável mas são insuficientes para que esta alcance um nível de condição física ideal, o chamado fitness de performance (Clayton, 1950, in: Arent, 2001), que lhes possibilite comportar-se normalmente e sobreviver na natureza. Esta condição implica o desenvolvimento dos sistemas muscular e cardiovascular e uma amplificação da capacidade aeróbia. Assim sendo, esta condição apenas é alcançável através de um plano de treinos muito bem definido, complementando o treino que as aves fazem só por si dentro das estruturas já referidas. Os treinos de voo permitem assim colmatar as limitações destes espaços, que dificilmente apresentam dimensões suficientes para um auto-treino completo ou podem mesmo não existir em alguns centros de recuperação.


Estimulando o voo num túnel de voo ou realizando treinos mediante a técnica do Creance é possível proporcionar às aves de rapina exercícios mais completos e diversificados (Redig et al., 2007), apropriados às exigências naturais a que se encontrarão sujeitas quando regressarem à natureza.

As técnicas de treino de voo podem dividir-se em dois grupos gerais, sendo possível exercitar aves de um modo livre (sem qualquer equipamento acoplado a si) ou usando um equipamento apropriado.

Nos treinos livres, a ave é colocada num corredor fechado, com comprimento definido, sem ter qualquer equipamento adicionado e é estimulada a voar o número de voos necessários para completar a distância adequada.

O Creance é uma técnica adaptada da falcoaria que envolve a ligação de tiras de couro, as piós ou braceletes e correias, aos tarsos da ave e a adição de um cordel, o fiador (ou, em inglês, Creance) a essas mesmas tiras. A ave é então treinada com este equipamento, de peso irrelevante para o tamanho da ave, num espaço aberto, livre de obstáculos e num terreno que permita aterragens seguras. A quantidade de fiador disponível determinará a distância permitida para cada voo e o número de voos deverá perfazer a distância total prevista para cada espécie (Arent, 2001).

Esta técnica permite melhorar e acompanhar a fase final da preparação dos animais a libertar mediante a aplicação de planos de treino de voo em Creance e a avaliação de parâmetros físicos e fisiológicos (peso corporal, frequência respiratória, frequência cardíaca, temperatura corporal, concentração de lactato, glicose, proteínas totais e hematócrito), estilos de voo e comportamentos específicos.

Analisando e comparando os dados obtidos durante todo o programa de treino, é possível estudar o progresso das várias aves durante a implementação de um plano de treino de voo específico, procurando determinar o momento em que estas alcançaram a fitness de performance, condição essencial para que a devolução da ave à natureza seja bem sucedida, resultando numa maior probabilidade de sobrevivência e reprodução no habitat ao qual será devolvida.

Este estudo foi desenvolvido no âmbito da tese de Mestrado em Ecologia, Biodiversidade e Gestão de Ecossistemas, da Universidade de Aveiro.

Liliana Barosa, Bióloga

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