Estudo antropológico de uma possível reintrodução de espécies no Parque Natural da Serra da Estrela
No âmbito de uma tese de Mestrado em Antropologia, especialização em Natureza e Conservação, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, foi desenvolvido um estudo sobre a dimensão sócio-cultural de uma possível reintrodução de três espécies no Parque Natural da Serra da Estrela: a Águia-real (Aquila chrysaetos), o Grifo (Gyps fulvus) e o Lobo-ibérico (Canis lupus signatus).
Em traços muito gerais, pretendeu-se aceder, por um lado, ao grau de aceitação e apoio dessa possível reintrodução por parte da população local e, por outro, aos possíveis impactos não só da mudança social na extinção/não nidificação das espécies, mas também da possível reintrodução no contexto social local. Tal passou, por seu turno, por um enquadramento geral das percepções sociais da fauna local, para o que foram seleccionado, para além das três espécies em causa, outras nove (Fig. 1).
Em traços muito gerais, pretendeu-se aceder, por um lado, ao grau de aceitação e apoio dessa possível reintrodução por parte da população local e, por outro, aos possíveis impactos não só da mudança social na extinção/não nidificação das espécies, mas também da possível reintrodução no contexto social local. Tal passou, por seu turno, por um enquadramento geral das percepções sociais da fauna local, para o que foram seleccionado, para além das três espécies em causa, outras nove (Fig. 1).
Fig. 1: As doze espécies seleccionadas e apresentadas no decurso das entrevistas semi-estruturadas. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Grifo (Gyps fulvus), Milhafre-preto (Milvus migrans), Corvo (Corvus corax), Burro (Equus africanus asinus), Águia-real (Aquila chrysaetos), Ovelha (Ovis aries), Coelho (Oryctologus cuniculus), Javali (Sus scrofa), Lobo-ibérico (Canis lupus signatus), Gineta (Genetta genetta), Cão-assilvestrado (Canis lupus familiaris) e Raposa (Vulpes vulpes)
Os dados foram recolhidos entre Setembro de 2009 e Março de 2010 através de técnicas complementares: análise de documentos, 18 entrevistas informais e entrevistas semi-estruturadas a residentes (n=116) de sete freguesias rurais da zona noroeste do PNSE (Cadafaz, Figueiró da Serra, Folgosinho e Freixo da Serra, Linhares da Beira, Prados e Vide-Entre-Vinhas).
Os resultados sugerem que:
i) A forte mudança sócio-económica que tem caracterizado o contexto social local, sobretudo o declínio e abandono das práticas agro-pecuárias tradicionais (conducente à diminuição da disponibilidade trófica), poderá ter tido implicações a nível da extinção/não-nidificação das espécies na área de estudo, para além de poder comprometer a própria reintrodução, até porque, segundo a grande maioria dos inquiridos (n=103, 89%), o futuro da agro-pastorícia local avizinha-se negativo.
ii) As percepções sociais da fauna local estão alicerçadas sobretudo em critérios utilitários (n=136, 53%), ecológicos (n=93, 36%) e estéticos (n=12, 4%), originando uma «escala sociozoológica» (Arluke e Sanders, 1996) pautada essencialmente pelo dualismo bom/mau.
iii) Nesta escala, as três espécies em causa recaem, numa óptica local, na categoria "maus animais", devido sobretudo a conflitos com pastores e/ou caçadores e ao desconhecimento. Tal poderá estar na base das opiniões eminentemente negativas dos inquiridos (n=86, 74%) face a uma possível reintrodução do lobo, não parecendo ser determinante nos outros dois casos, onde se destacam as opiniões positivas (Fig. 2).
Os resultados sugerem que:
i) A forte mudança sócio-económica que tem caracterizado o contexto social local, sobretudo o declínio e abandono das práticas agro-pecuárias tradicionais (conducente à diminuição da disponibilidade trófica), poderá ter tido implicações a nível da extinção/não-nidificação das espécies na área de estudo, para além de poder comprometer a própria reintrodução, até porque, segundo a grande maioria dos inquiridos (n=103, 89%), o futuro da agro-pastorícia local avizinha-se negativo.
ii) As percepções sociais da fauna local estão alicerçadas sobretudo em critérios utilitários (n=136, 53%), ecológicos (n=93, 36%) e estéticos (n=12, 4%), originando uma «escala sociozoológica» (Arluke e Sanders, 1996) pautada essencialmente pelo dualismo bom/mau.
iii) Nesta escala, as três espécies em causa recaem, numa óptica local, na categoria "maus animais", devido sobretudo a conflitos com pastores e/ou caçadores e ao desconhecimento. Tal poderá estar na base das opiniões eminentemente negativas dos inquiridos (n=86, 74%) face a uma possível reintrodução do lobo, não parecendo ser determinante nos outros dois casos, onde se destacam as opiniões positivas (Fig. 2).
Este estudo pioneiro em contexto nacional pode ser tido como uma importante base para futuros estudos a desenvolver antes da própria reintrodução, tanto na área das ciências naturais, como na das ciências sociais. Para além disso, pode ser tido como um pequeno contributo para evidenciar a importância de atentar às diversas esferas subjacentes à conservação, nomeadamente a esfera sócio-cultural, integrando o conhecimento científico-natural com o conhecimento oriundo das ciências sociais.
Este estudo foi possível graças a um protocolo estabelecido entre a Associação ALDEIA/CERVAS e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, contando ainda com o apoio do ICNB/PNSE.
Filipa Soares, Antropóloga
Este estudo foi possível graças a um protocolo estabelecido entre a Associação ALDEIA/CERVAS e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, contando ainda com o apoio do ICNB/PNSE.
Filipa Soares, Antropóloga
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