As aves são o grupo de animais que mais frequentemente ingressa num Centro de Recuperação por diversas causas, destacando-se os atropelamentos, colisões, tiros, cativeiro ilegal, intoxicações, debilidade ou subnutrição. Para além das feridas, fracturas de membros, luxações ou deslocações associadas às causas de ingresso referidas, muitas aves apresentam penas quebradas ou muito danificadas. Por outro lado, a permanência em cativeiro gera novas lesões e problemas na plumagem associados ao stress e ao tipo de espaços em que os animais são instalados.
Açor (Accipiter gentilis) com as penas primárias e rectrizes danificadas devido a cativeiro ilegalO tempo de recuperação de uma ave num Centro de Recuperação depende das condições fisicas que esta apresenta no ingresso e da capacidade de minimizar os novos problemas que podem surgir. Por isso, quando uma ave apresenta penas danificadas, o tempo de recuperação poderá ser mais prolongado uma vez que será necessário aguardar pela muda natural das penas. Muitas aves passam por mudas anuais, substituindo as tectrizes de uma forma mais ou menos gradual.
A época de muda depende de diversos factores e difere de espécie para espécie. Geralmente ocorrem duas vezes por ano: muda completa após a nidificação e parcial antes desta, podendo haver substituições mais frequentes ao longo do ano.
A primeira plumagem (após a penugem de pós-eclosão) designa-se por juvenil ou imatura. Uma ave é considerada imatura até mudar a segunda série de penas das asas. As aves que mudam duas vezes antes de substituirem as penas das asas designam-se juvenis outonais ou juvenis invernais. A plumagem adulta tem a coloração completa. A ave adulta pode ter mais do que uma plumagem distinta por ano, designadas por adulta de Inverno (Outono) ou adulta de Verão (Primavera). Em algumas espécies a plumagem adulta é precedida por uma série variável de camadas sub-adultas.
Enxerto de penas (Imping):
O enxerto de penas é uma técnica tradicional desenvovida pela Falcoaria, que permite substituir as penas quebradas de uma ave por penas em bom estado recolhidas de outra ave morta ou irrecuperável. Em situações de emergência poderão ser usadas penas de espécies diferentes no enxerto mas essa situação deverá ser evitada ao máximo.
O enxerto de penas pode também ser utilizado na marcação de aves para pesquisa científica, substituindo uma pena da ave por outra marcada (com coloração diferente, por exemplo).
Método: O animal deve ser anestesiado para poder ser manipulado correctamente. De seguida, a pena danificada deve ser cortada um pouco acima da base. Após uma análise cuidadosa da pena de reposição e certificando-se de que esta se encontra limpa e sem quebras, deve-se cortar a pena, com um corte limpo, no mesmo local onde se cortou a danificada. Seguidamente introduz-se na parte oca da pena um pequeno palito ou um pedaço de bambu (usado preferencialmente devido à sua flexibilidade e leveza) com Araldite (ou uma cola semelhante) e orienta-se a pena de reposição de modo a que esta fique perfeitamente adaptada à asa. Por fim une-se a pena de reposição à asa com cola (tendo o cuidado de proteger as restantes penas da ave para nao sujar com a cola), ajusta-se a pena na posição definitiva e deixa-se secar. Caso se use uma cola-tudo com tempo de secagem muito rápido a pena deve ser introduzida já na sua posição definitiva de modo a evitar erros graves que dificultem o voo da ave.
Imping de penas primárias numa coruja-das-torres (Tyto alba)Importância de um Banco de Penas:
O acesso a um banco de penas revela-se importante para um Centro de Recuperação pois permite efectuar enxertos nas penas das aves que deles necessitem. A reparação manual das penas danificadas acelera o processo de recuperação da ave, que pode treinar o voo mais cedo do que se aguardasse a época de muda natural. Assim evita-se uma permanência prolongada da ave no Centro e consequente contacto com humanos (evitando assim a impregnação ou domesticação), bem como situações de stress que podem gerar problemas de doenças associados à permanência no Centro. Quando a ave apresenta uma pena quebrada, fica uma lacuna na asa ou cauda, tornando as penas mais próximas da lacuna mais frágeis e sujeitas a quebras. Por tal, as penas quebradas devem ser substituidas o mais rápido possível.
O banco deverá estar organizado por espécie, sexo e idade e cada pena deverá estar identificada e numerada de acordo com a sua posição no corpo. As penas para a elaboração de bancos são recolhidas de animais mortos.
Recolha de penas de uma águia-de-asa-redonda (Buteo buteo)
Método: Recolhem-se as penas Primárias, Secundárias e Rectrizes da ave e numera-se individualmente cada pena. Para uma melhor organização, colam-se as penas numa tira adesiva (uma tira para as secundárias do lado direito, outra tira para as primárias do lado direito, e assim sucessivamente). Por fim, guardam-se as tiras num saco ou envelope identificado e armazenam-se num congelador ou arca frigorífica tendo o cuidado de não dobrar as penas.
Importância de uma Plumoteca:
Uma plumoteca consiste numa colecção de penas, devidamente organizada por espécie, sexo e idade dos animais. A elaboração de uma plumoteca pressupõe um bom conhecimento da morfologia e das caracteristicas que distinguem cada espécie.
A existência de uma plumoteca num Centro de Recuperação é importante pois permite uma melhor identificação da espécie dos animais que chegam ao centro, assim como a determinação da idade e do sexo do animal por comparação com as penas arquivadas. Uma plumoteca torna-se de extrema importância na identificação de animais recebidos em elevado estado de decomposição (penas e ossos).
Sendo a plumoteca digital, torna-se muito ítil por questões de espaço e organização. Também facilita a consulta e a partilha com outros Centros de Recuperação.
Para a elaboração de uma plumoteca são recolhidas penas de vários locais do corpo da ave: cabeça, pescoço, manto, dorso, coberturas supracaudais, coberturas infracaudais, abdómen, peito, escapulares, alula, coberturas primárias, coberturas secundárias (pequenas, médias e grandes), coberturas subalares, primárias, secundárias e rectrizes.
Penas secundárias de um peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus)
Método: Recolhem-se e identificam-se as penas individualmente, tendo o cuidado de recolher diferentes exemplares de cada categoria. No caso das primárias, secundárias e rectrizes, recolhe-se todo o conjunto de penas e cola-se numa tira adesiva, devidamente identificadas e numeradas. Posteriormente digitaliza-se cada exemplar e organiza-se uma base de dados informática com o maior número possivel de caracteristicas de cada ave utilizada (idade, sexo, proveniência, etc).
Alula de uma coruja-do-nabal (Asio flammeus)
Fábia Azevedo, Bióloga